quarta-feira, 23 de março de 2011

Ás vezes pergunto-me só
Porquê a duvida nos sentimento e a falta de alento
Respondo-me em coro sempre que me pergunto só
Assim estou porque sonhei
Sonhei o dia e a noite
E no dia e na noite sonhei-me em coro
Mas vem o raiar do dia e vejo-me só
E vem a noite e só estou
Mas para quê sempre esta audácia
Em pensar-se que se é único?
Porquê esta incumbência
De nos fazer-mos sentir alheados
De uma realidade que é conjunta
E nunca singular?
Ficamos sempre a meio caminho
De onde queremos andar,
De onde queremos passear pelos dias.
No fim resta sempre em nós um sofrimento inaudível
Que depois extravasa nas reacções mais imberbes do ser humano.
Corja de frustrados
Que se frustram uns aos outros,
É assim que somos educados,
A pensar no egoísmo como modo de atingir
Um patamar superior,
Quando na verdade aquilo que se atinge
É o mofo do espaço vazio e só!

terça-feira, 22 de março de 2011

Quando o dia cai
Caio eu na noite
Quando o dia tomba, tombo eu
Quando o dia desperta
Desperto eu da noite
Quando a noite vem
Desperto eu do mote
E vem a noite e vem o dia
E quando segue o sonho a noite
Segue o dia o lamento de não sonhar
E quando se chora á noite
Alegra-se a manhã que ri
Mas como encontrar dias
Como ver noites nos dias
Como ter sonhos nas horas
Como saber de que se sabe?
Como ver o dia num olho semi-cerrado
Com que cordas fiar o destino
Com que acordes musicar o mundo?
Dia negro o de fugir do medo
Largar as calças num sofá distante
Vestir a roupa do “tudo está bem”
Vem o dia e vai a noite
Vem dia vai noite
Dia e noite
Dia
Noite
Na memória dum momento
Preso por um pensamento
Perdido na memória de um momento lento
Repartido entre a miséria e o pensamento
Partido por um movimento sangrento

Sem saber o que sentir, ou como fugir
Sem saber o que sentir, ou como fingir
Preso pelo movimento lento
Preso no momento
Com dúvidas no sentimento

Na ilusória memória do que foi
Solto na rédea que me prende
Foragido de ontem para onde não sei
Quebrado pelo tempo e pelo lamento
Despedaçado por ter esquecido o momento

Sem saber onde pôr a desilusão
Sem saber como partir para uma emoção
Preso na memória do que já não é mais
Preso por mim próprio onde já não sou
Com duvidas de onde vim e para onde vou

segunda-feira, 21 de março de 2011

Parece só esquecermos na lembrança do que foi
Parece que não há mais vida, que a que foi já era
E parece, sobretudo parece isto, que nada se parece
E já nada parece com sede, ou fome, já nada parece
Os dias estão a cair num leve sono diurno
As noites agarram-se onde podem e pretendem não cair
E eu já não sei onde me agarro, pois parece que mais me afundo
Lembro que já nada se parece com nada, com o que conheci
Lembro que já não sou eu quem era
E lembro que era bom o dia mau
E já não me lembro de como é um dia bom
Os dias agitam-se ao passar das horas
As noites enlaçam-se nas manhãs e não me deixam despertar
E eu já só sei que tudo é diferente, pois tudo era demasiado igual
Concordo com as palavras que me saem das mãos
Concordo com a melancolia inerente a elas mesmas
E concordo que um dia diferente virá, como todos estes o são já
E já concordo que houve dias mais difíceis a ultrapassar
Os dias estão cá para eu me despedir
As noites por cá andam para eu não mais cair!
E eu, eu nem sei bem a quantas ando, mas vou andando…

quinta-feira, 17 de março de 2011

Fim do dia e o sol a repousar
Fico perdido no momento em que vou
Desisto de tentar resistir á vontade
E entro no tormento de só sentir vontade
Fico aqui, largado por mim próprio
No chão, deitado mole no chão a ver o tempo passar
Resisto à tentação de olhar para ela
Resisto até á tentação de pensar nela
Por muito que ainda pense
Por muito que ela ainda esteja em mim latente
Mas é escusado, a vontade não se impõe ao desejo
É preciso esquecer o beijo

Impelido por uma vontade cega
Sou eu a pessoa a quem ela se nega
Sou eu que me nego á calma e confiança
No fundo tudo sou eu!
E pouco importa resistir, pouco importa
De nada vale desistir, nada disso vale
O que importa e o que vale é que ainda penso nela,
Ainda sonho com ela
Ainda me vejo nela, ela ela ela !
Eu ainda penso nela!
E não importa o relógio continuar a contar
Não importa eu continuar a sonhar
Ainda penso nela
E não vale a pena o sol repousar
E não vale de nada as horas passarem
Ainda estou no lugar onde me quero com ela

A noite entra solitária pela janela
Cobre o meu quarto de escuro breu
E no vazio do esquecimento eu ainda penso nela
E a noite continua profunda e melancólica e eu aqui
Sem ela!
O vazio do quarto vai-se enchendo com livros e sons
Mas eu penso nela
E penso nela e ainda penso nela!
E o sono vem na noite escura
E o sonho com ela, com ela em quem eu penso
E é sempre ela, sempre ela

E o dia vem e o sol de novo
E a luz regressa e eu sou novo
E tudo passa menos o tempo dela!
Eu, de dia ou de noite,
Nada me custando,
Penso nela!
Umas em cima das outras
Todas em cima de qualquer coisa
Dias em vão em cima de dias em vão
São coisas, extractos
São extractos e coisas e dias
E mortes e mais terramotos
E chamam-lhe actualidade
E eu chamo de crueldade
E vende-se o corpo e a alma
E já não é preciso ser ao diabo
Pode ser a um intermediário qualquer
E mete nojo! E está podre
Mas não muda,
É só o amontoar de coisas sobre coisas
E as pessoas aceitam, mesmo as que dizem não
E as pessoas abstêm-se, mesmo as que dizem sim!
E tudo faz sentido, por ter sido assim que fomos educados
E por isso não há surpresa de não haver convulsão
Nada me surpreende e dizem que eu ando pouco alerta
Basta olhar a rua e vejo o mundo
Olho com atenção a casa e vejo o país
É tudo uma questão de não olhar para dentro
Mas a partir de dentro!
Mas ninguém olha e as coisas vão amontoando,
Aglomerando, somando, juntando,
Fortificando, acalmando e ando
Ando ando e eu ando…
Mas não ando, eu ando, mas não ando
Porque ninguém anda, isto está assim e a culpa também é nossa
Isto é assim e nós também, de ando em ando, vamos
Parando
Cristalizando
Pensando que se não olharmos desaparece
Seja o que for que não virmos, já não existe
E por isso é magia
E todos somos mágicos e fazemos desaparecer dos nossos olhos
O que nos custa encarar.
Ter um filho, melhor forma de apagar o presente e ficar a fiar o futuro
Colocando uma coisa em cima de outra coisa, aglomerando, amontoando,
Ando… ando …
E toda a gente parada, sem notar que…
Sem notar nada, porque está tudo bem
E o bem vai-se juntando um ao outro
E outro a outro e mais um com aquele!
Espero que sim,
Anseio que sim
Porque o que amontoei deu quase para eu desaparecer
Da face do meu cérebro…
Mais uma coisa em cima de outra... e outra e outra…
Vamos lá futuro, vamos ser alguém, eu juro!
Para quê
dizer
em palavras
aquilo que
sinto
em gestos ?
Quando ela
não
me fala,
o meu corpo
não
se cala!

segunda-feira, 14 de março de 2011

Um grande sopro para dentro, um suspiro
Sinto a batida no pulso, sempre a pedir mais
Mais um suspiro
Uma enorme arrancada para o vazio
Passos após passos, velozmente mas não em corrida
O pulso mais forte
E mais um suspiro
O caminho na direcção do nada, o caminho
Um passo mais vigoroso e um fechar de olhos
Uma lágrima, pequena e sem suspiros
Cai velozmente pelo rosto, uma pequena lágrima
Lágrima elixir de cura
Lágrima de descompostura de seja o que for
Passos e mais passos, mais velozes ainda, não em corrida
Passos e passos e passos e mais passos, passos para o nada onde não há lágrima
Não há lágrima e não há suspiro,
Suspiro…
Grande sopro de ar para fora
O corpo desmancha-se,
A alma, o espírito, o sangue, o fora e o dentro acompanham-no
Tudo se desmancha menos o choro
O choro compõe-se, em melodias e rugidos
Em sons fortes e graves e leves e doces
O choro lava, purifica e limpa
O choro
Suspira-se mais no choro, mas não se dá conta
O choro é um suspiro, mas ele não se dá conta
São incontáveis as lágrimas, deixaram de o ser
São agora um caudal que flui, que segue das órbitas
Ao precipitar pelo chão, ao escorrer pela face ao bater no colo
São um mar de lágrimas, tudo num suspiro
Depois de limpo tudo se reconstrói tudo volta a ser alguma coisa
Os pulmões voltam a contorcer-se, mais um sopro enorme vem aí
Só se respira aqui, só isso se mantém constante, respirar-se.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Ficar bem patente no sorriso o lugar onde bate a sombra
Lembrar que no preciso momento em que se sente a sombra
Sente-se a ausência de luz, sente-se a falta de vida
Mas só lembrar e deixar patente nesse sorriso a memória de sombra

Largar as memórias depois, larga-las num lugar confortável
Esperar o impensável, mas nunca numa atitude de espera
Esperar sem esperar, aguardar sem estar parado, mas aguardar
O sol, inevitavelmente cegará a sombra da sua ausência

Recolher novamente os pedaços todos de um algo que o não é
Lavar todos os vestígios de ausência e saudade, lavar, lavar bem
Deixar tudo ao sol e não á sombra, largar tudo ao sol para evaporar
Evaporar o desgosto, a saudade minha e tua largar o corpo e voltar á luz

Lembrar a sombra, sempre a lembrar a sombra, que não paira mas descansa
Lembrar a sombra e o desgosto, a saudade nossa a minha e a tua
Lembrar tudo e recolher, recolher para confortar, para acolher
Passado o tempo de lembrar, soltar tudo ao sol e largar-me num só!

quinta-feira, 10 de março de 2011

Ah se eu soubesse, se eu soubesse apenas
Que mais que muitas vezes me deixei cair por pena
Ah se eu soubesse, se eu soubesse o que hoje sei
Ontem teria sido mais, muito mais que apenas rei

Se tivesse como ver, se tivesse como reconhecer
Se houvesse forma de perceber, maneira de saber
Se existisse consciência pelo meio da demência
Se houvesse, ah, seu eu soubesse o que eu não sei

Mas como, agora erguido, não ficar preso ao passado
Mas como, renascido, não ter remorso do que foi
Mas como, expliquem-me, como não chorar!
Como não vi eu, como não vi eu a fraqueza!

Ah, se eu soubesse que a vida é mais que isto
Se eu soubesse o que agora descubro
Se eu imaginasse o peso do que encobri
Se eu pudesse, pudesse voltar atrás

Mas não volto, sou devoto de mim mesmo,
O que foi já era, o que era foi e agora
Resta o sonho de vida que agora deixo que me encante,
Agora restam os dias foragidos do trauma,
Resto eu e todos e tu também.

Eu não volto, não volto lá para me sentir no limbo,
Para me sentir no purgatório como uma alma errante,
como algo distante, como uma alma pecadora que mais não fez que ver a aurora!
Agora é tempo de ir, soltar amarras ao futuro e ir!

Ah, se eu soubesse, se só eu soubesse o que não sei
Ah, se adivinhasse, se adivinhasse o que não tinha futuro
Ah, seu eu fosse, mago ou adivinho
Se eu soubesse, se eu soubesse o que não sei.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Que aflição,
A do incerto mover-se
De um para outro lado,
Chegando até ao amor.
Que aflição a de ver o incerto pairar,
Consumir e cegar
O tudo de certo
Que em nós flameja.

Que aflição, não dor!
Que aflição, dor nunca!

Rasurar, rasurar tudo,
O certo, o incerto, o amor
Tudo rasurar, tudo
E não ficar aflito no incerto,
Só deixar-se cair nele,
Usufruir dele.
Fazer uso do incerto,
Sem o tomar por certo.

Que aflição, não dor!
Que aflição, nunca dor!

E o que é que aflige a alma,
Mais do que ausência de calma?
Só a incerteza e a sua aflição certeira.
Tomara fosse passageira,
Esta aflição certeira.
O mal, é que reina incerteza
E por isso, a dura rudeza de saber-se no incerto,
Faz-nos chegar mais perto
De seja o que for que julgamos incerto!

Que aflição, não dor!
Que aflição, nunca dor!

terça-feira, 8 de março de 2011

Carrego nas minhas costas e sob o jugo de algo superior a mim,
A sede que me reduz o corpo a um cansaço mórbido.
Tento mexer um membro, mas há outro que desfalece em seguida.
Tento mover o corpo e logo o crânio, com todo o seu peso,
Se abate sobre o meu peito.
Pareço não conseguir, livrar-me do peso,
Todo aquele peso que carrego nas costas.

Passo após passo, o peso faz-me sulcar na lama rudes impressões,
Que são somente o passado a perseguir-me!
Cada pé, que no instante da passada se livra do peso e da sede,
Rejubila por poder respirar ar fresco e sobretudo por poder ver o futuro aproximar-se.
Cada passo é um instante no tempo, mas para as botas enlameadas,
Os pés enrugados e encharcados, para as unhas encarquilhadas e gastas de caminhar,
Esse instante é um imenso tempo, um tempo de alívio.

As costas é que não, elas não se livram do peso, elas não descansam,
Para elas, todo o instante é moroso e eterno, para as costas não há pausa!
Sempre ali, vergadas ás toneladas que carregam, curvadas aos anos que transportam.
Nas minhas costas eu trago aquilo de que não me largo, um fardo pesado,
De passado ao futuro, no presente passado!

segunda-feira, 7 de março de 2011

Não importa o que eu escreva, não importa!
O que eu faço não importa, importa nada!
Digo algo, não vale a pena, não vale de nada!
Ouço coisas, muitas coisas, coisas que ninguém ouve!
Não ouço vozes, não!
Se as ouvisse…
Não importava,
Não importava nada,
Não valia de nada,
Mais ninguém as ouviria senão eu, por isso de pouco importariam!

Importa como me sinto, sentir importa!
O que eu gosto importa, importa muito!
Crio algo, vale muito, vale mesmo muito!
Crio coisas, muitas coisas, coisas que muita gente cria!
Não sou Deus, não!
Se o fosse…
Importava-me,
Importava-me muito,
Valia mesmo muito,
Mas como não sou, cada dia é um dia, cada hora uma hora e para mim o tempo importa!

domingo, 6 de março de 2011

Estou a assistir á modernidade sentada num banco de betão,
Com um xaile de algodão ao pescoço.
Todas as tardes, não mais tarde do que as quatro,
A minha amiga Futuro senta-se ao pé de mim e fala-me de amanhã.
Como paga, eu falo-lhe de ontem, de à um ano, de à vinte anos.
A Futuro não sabe de nada, só sabe de si, de amanhã e depois.
Esse é o presente da minha amiga Futuro,
Fazer-me recordar da importância do meu passado.
Quando anoitece, curvo o corpo para a frente,
Amparo-me na minha amiga Futuro,
Dou passo após passo, cambaleio e pouco tempo depois,
Dou vida ao futuro, dormindo,
Sonhando com o passado e esperando que ambos se encontrem,
Passado e futuro,
Discutam o presente que me darão amanhã,
Quando eu acordar e arrastar o meu velho corpo
Para onde quer que eles decidam ser o meu destino.

sábado, 5 de março de 2011

Com medo demais,
De uma gota até!
Com medo da gota que se possa transformar em oceano.
Com medo a mais.

O bater de cada gota no meu crânio,
A fazer-me temer o oceano.
O silêncio após cada bater de gota
A fazer-me temer o silvo penetrante de uma outra gota!

O medo, ávido de silêncio,
Para me fazer temer até o ligeiro ruído.
E as gotas, sempre a desmoronar,
Com uma precisão tétrica,
A arruinar a paz de espírito,
A abalroarem todos os alicerces ainda em construção,
A aniquilar com exactidão bélica.

O medo, tudo do medo!

Medo de quê?
Do sulco no crânio?
Do afogamento?
Do correr das gotas pelo chão?
Da próxima gota?
Medo do quê?
Medo do nada, só isso, medo do nada, onde sequer há água!