Já não parto
O vazio preenche-se de imagens
Ténue silhueta na névoa persiste no dia morno
Agitado só o espírito
Tudo o que resta em calma
Uma pacata sombra deambula
É Ela.
Ainda reverbera no peito
Há ainda a marca
latente de seu sopro
O pescoço ainda se contorce de saudade
A vontade esmorece escura deitada na soleira da porta
Já não parto
A nuvem passageira deleita o nervo ocular
A visão de sombra pressagia vontade
O corpo dela só miragem esvoaça por entre memórias de
perfume
O toque de outros dias crava-se na jugular
O coração parece falhar no escombro imparcial da inércia
A sucata de sensações ferrugenta e amassada apodrece na
lixeira
A pedreira tem mais um bloco cinzelado de remorso
Ao fundo espreita pela nesga da emoção uma lágrima que
congela
No seu brilho risos e nostalgia
Vincado como um pedaço amarrotado de ilusão
O olhar esconde-se
Já não parto
O negro azedume de incerteza crepuscular abeira-se
Há um perfume ainda latente
Um entre vários de um escanzelado passado de arrependimento
e juras vãs
Na prateleira mais um indizível acidente de passagem de
nível sem guarda
O vagão descarrilado e a locomotiva ainda em soluços
penetrantes de ruina
As gentes em torno tecem um pesar em lamúria
Cegos ao acontecimento exorbitante de memória em ferida
E como sangra a ferida em chaga
Vem uma febre como torrente de um desejo em chamas
E nada acontece, só calma e um fervilhar de mente
circunspecta
Já não parto
E na memória não há feérico fim
O carpir da circunstância floresce em ribaltas de luz
flamejante
De um olhar vazio brotam emoções de sombra
A parcimónia de se gastar aos poucos comedidamente
Lentifica a existência de um peito agastado
O rasgo penetrante da luz arrasta um ser sem chama
A memória abeira-se de um sobressalto violáceo
As cores já nada significam
E ela, ela ainda ressoa no vitral de vidro martelado
Já não parto
E no ficar desenlace abeira-se
A silhueta pouco e pouco se esfuma
No fim não fica nada da irrisória memória de beijos ao sabor
do vento
Só um beiral com vaso vazio
Perfume de terra seca e raízes em jaula de flor esventrada
Tempo não falta para que germine nova planta
Armadilhada na memória já amnésica do que foi em tempos outra
planta
Já não parto, repete.