sábado, 30 de julho de 2016

Flor

Já não parto
O vazio preenche-se de imagens
Ténue silhueta na névoa persiste no dia morno
Agitado só o espírito
Tudo o que resta em calma
Uma pacata sombra deambula
É Ela.
Ainda reverbera no peito
 ainda a marca latente de seu sopro
O pescoço ainda se contorce de saudade
A vontade esmorece escura deitada na soleira da porta
Já não parto
A nuvem passageira deleita o nervo ocular
A visão de sombra pressagia vontade
O corpo dela só miragem esvoaça por entre memórias de perfume
O toque de outros dias crava-se na jugular
O coração parece falhar no escombro imparcial da inércia
A sucata de sensações ferrugenta e amassada apodrece na lixeira
A pedreira tem mais um bloco cinzelado de remorso
Ao fundo espreita pela nesga da emoção uma lágrima que congela
No seu brilho risos e nostalgia
Vincado como um pedaço amarrotado de ilusão
O olhar esconde-se
Já não parto
O negro azedume de incerteza crepuscular abeira-se
Há um perfume ainda latente
Um entre vários de um escanzelado passado de arrependimento e juras vãs
Na prateleira mais um indizível acidente de passagem de nível sem guarda
O vagão descarrilado e a locomotiva ainda em soluços penetrantes de ruina
As gentes em torno tecem um pesar em lamúria
Cegos ao acontecimento exorbitante de memória em ferida
E como sangra a ferida em chaga
Vem uma febre como torrente de um desejo em chamas
E nada acontece, só calma e um fervilhar de mente circunspecta
Já não parto
E na memória não há feérico fim
O carpir da circunstância floresce em ribaltas de luz flamejante
De um olhar vazio brotam emoções de sombra
A parcimónia de se gastar aos poucos comedidamente
Lentifica a existência de um peito agastado
O rasgo penetrante da luz arrasta um ser sem chama
A memória abeira-se de um sobressalto violáceo
As cores já nada significam
E ela, ela ainda ressoa no vitral de vidro martelado
Já não parto
E no ficar desenlace abeira-se
A silhueta pouco e pouco se esfuma
No fim não fica nada da irrisória memória de beijos ao sabor do vento
Só um beiral com vaso vazio
Perfume de terra seca e raízes em jaula de flor esventrada
Tempo não falta para que germine nova planta
Armadilhada na memória já amnésica do que foi em tempos outra planta

Já não parto, repete.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Ela.

Na fuga do meu ser em brasa
Atraiçoo o rever teus lábios
Já não sou eu que te olha
Hoje sou outro e amanhã quem sabe
Ficam pedaços que rasgados sangram
Sobre meu peito várias canções em febre
São mercúrios que gravitam em névoa
Meus olhos a tangente do querer sorrir
Estivesses aqui e fosse ainda eu
Mas a plácida bonomia se mantem
A letargia aplaca o não saber estar e sou-me em esforço
Transpira da algibeira uma nota de 20 e sei que tenho
Não importa o quê mas sei que tenho
Meus lábios, presos na memória tua torturam meu peito
Desfeito o coração soluça em nobre pranto
Já não sou eu de novo
E a canção toca outra vez
Na dança gélida de não haver teu corpo
Movo lágrima após lágrima meu peso torto
A falta que fazes
A falta que sinto de ti
A falta de não te ter perto
A falta de não saber novas tuas
Tudo se aplaca e a torneira cessa sua torrente gélida
Desperto um outro eu, novamente, uma outra vez
Quem sou de novo perguntam-se meus botões lavrando cifras
A falta tua no deserto que sou grita

E petrificado me prostro sempre uma e outra vez á tua memória que me atravessa

Turbulência

Preso nas venturas por vir
Esqueleto do tempo leva meu murmúrio
Cacilheiro ampara meu peso profundo
São só mais dois minutos
Arredondo a sílaba presa em estertor
Afianço de mim mil maneiras sôfregas
Peso que vai na onda do mar
Porque me tinges no esperar
Ressoa do corpo frágil vã canção
E eu morro
Fica só luzidia tamanha memória
Que de torpor de melancolia irradia fria
Manhã de escória em meu corpo jaz

E nem sinto mais nada, só vazio

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Avesso

Andar pelo simples sustento de caminhar
Atravessado por sentimentos
Sem temor ou arrependimento
Andar para esquecer mas no fim recordar
Gestos tão incríveis que o coração não sente
Sempre em suor no corpo esbatido
Sempre cansado, sempre abatido
Mais dois passos e é o fim
Mais um sopro e não me vejo em mim
E descanso e sou púrpura
Afasto o que de mim não sinto
Sigo pelo caminho feito
Sigo por onde não vejo
E vou por onde não sou
Até ser o que não sou de novo
Fico onde me largo caído
Num choro contido e fingido
De ser por demais perseguido
Por memória que me acompanha ao alvor
Não tenho por onde esquecer
Não tenho por onde fugir
Fingir só a dor que não sinto
Morrer só na mente que é insana
Propenso ao meu amor eu me ato
Num pacto que de sangue me queima
Finjo no ser que coíbe o sentir
Pantomima de estar e de agir
Sempre no mesmo não estar
Como que a fingir o pensar
Ave esvoaça e distrai
Do peito soluça uma lágrima
E caio prostrado na cama
Acordar é medo patente
Frustração é mais que evidente
E não nego, tudo nego
Lançar um pé no encalço do outro
Mover o corpo num espaço
Querer mais que este cansaço
Na fuga de me ser sem esforço
E são horas na bonomia
Numa letargia sem fim
Onde inerte me esqueço de mim
Esqueleto de dias por vir
Atroz me dás um pensamento
Morrer é bem mais que sorrir
E de alento me fecho por dentro
Coragem repito na cegueira
E crepito em meu lume aceso
Não estou não faço, acontece
No avesso de mim só um preço
Preço a pagar por loucura inegável
Tangível só o embaraço
Horas de infundada navegação

Atroz mente que se trai desperta

Fraco


Em penúria firme me agasto incessante
Estou perplexo rumo ao fundo
Estou sem rumo mas penetrante
Tenho medos, tenho receios mas não paro
Estou em chamas e por dentro clamo
Fosse eu ver o que por detrás se esconde
Fosse eu estar onde não me rendo enfim
Quero alvos, objectivos por mim
Quero encontrar o que não vi no fim
E sem rumo seguir sempre achando
Que não vou por onde estou rumando
E sem saber o que vou ser vou estando

Pois sem rumo, ser fraco é meu mando