domingo, 21 de setembro de 2014

Sem Titulo #1

Adocicar do medo o mundo
Dar-lhe tom, mas mais profundo
Tão mais fundo e mais imundo.
Que o bem estar nos seja mudo!

Lamentar deste marear sisudo
De como nos deixa em entrudo
Mas sem graça, sem urgência,
Só asfixiado e mudo.

Queria ver mais gente a arfar,
De não ter onde morar,
De não saber o que amar,
Não ter lugar para onde ir por não ter onde ficar.

Queria ver mais mundo a ruir
Mais entranhas bem expostas
Uns quantos cortados ás postas

Ao que nos reduziram...
A bêbados e moralistas

Sedentos de o ser, mas nunca artistas

Mas

Para onde nos deixamos encostar,

Bem grudados nas cordas
Num vai e vem a balouçar!

Que bem que nos tratam,
Que tanto nos amam,
Que logo nos maltratam,
Assim que nos enganam.

Reduzidos a gado, ordenado e pastagem
Temos sempre lugar sentado para prestar vassalagem
Podemos muito bem ter ideais e orgulho,
Mas no entulho esquecem o que é viver e
Ver o que é viver com um salário de miragem
Num sitio com uma linda paisagem
E gente, tanta gente, muita gente  na treva!

Estamos, muitos de nós, aquém de saber
Estamos, todos sem voz, aquém de viver
Estamos, como os nossos avós, num comboio sem rumo
Onde nós somos prumo e fio e peso

Mas

Nunca somos parede que se ergue,
Nunca somos ruína que não cede,
Nunca somos nós com o destino nas mãos
Nunca somos nós com o futuro em vista

Mas somos sempre nós quem o polícia revista!

Dói

Já não sofro com mais nada
Preguem-me os pés á tábua,
Não os posso usar!
Preguem-me as mãos á outra tábua,
Já não as posso usar.

Já nada me dói, nem a dor me dói!
Coloquem-me a coroa de espinhos
A cabeça já não a posso usar!
Não sei ser como os demais,
Tenho no peito algo diferente.

Já não tenho nada a perder,
Nem a vida me podem tirar
Não a tenho, perdi-a nas finanças
Nas seguranças sociais,
Para pagar tudo o que devo,
Devo a vida e mais um pouco.

Já nem pensar posso, tenho a mente presa em abismos
Para ser em conformidade tenho de usar estrangeirismos
Enfadam-me os silogismos com que vestem a minha pele

Deixei de ser pessoa,
Deixei de ser quem sou,
Deixei de ser e não há seres novos para se ser
O que resta é ficar aqui pregado,
A ver-me ser mastigado, por um povo atordoado
Que não sabe de seu fado que cravo há-de cravar.

Já morri e nem sabia,
Tiraram-me a vida á nascença
Saí de uma toca escura directo para uma adolescência
Que desaguou numa maior idade que subsiste de subserviência.
Não existem minorias,
Não existem maiorias,
Não existe nada
E no meio do nada, a única coisa que serve de acalento,
Pão pra boca, é saber que de tão fundo só sobe.