domingo, 21 de setembro de 2014

Dói

Já não sofro com mais nada
Preguem-me os pés á tábua,
Não os posso usar!
Preguem-me as mãos á outra tábua,
Já não as posso usar.

Já nada me dói, nem a dor me dói!
Coloquem-me a coroa de espinhos
A cabeça já não a posso usar!
Não sei ser como os demais,
Tenho no peito algo diferente.

Já não tenho nada a perder,
Nem a vida me podem tirar
Não a tenho, perdi-a nas finanças
Nas seguranças sociais,
Para pagar tudo o que devo,
Devo a vida e mais um pouco.

Já nem pensar posso, tenho a mente presa em abismos
Para ser em conformidade tenho de usar estrangeirismos
Enfadam-me os silogismos com que vestem a minha pele

Deixei de ser pessoa,
Deixei de ser quem sou,
Deixei de ser e não há seres novos para se ser
O que resta é ficar aqui pregado,
A ver-me ser mastigado, por um povo atordoado
Que não sabe de seu fado que cravo há-de cravar.

Já morri e nem sabia,
Tiraram-me a vida á nascença
Saí de uma toca escura directo para uma adolescência
Que desaguou numa maior idade que subsiste de subserviência.
Não existem minorias,
Não existem maiorias,
Não existe nada
E no meio do nada, a única coisa que serve de acalento,
Pão pra boca, é saber que de tão fundo só sobe.



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