Adocicar do medo o
mundo
Dar-lhe tom, mas mais
profundo
Tão mais fundo e mais
imundo.
Que o bem estar nos
seja mudo!
Lamentar deste marear
sisudo
De como nos deixa em
entrudo
Mas sem graça, sem
urgência,
Só asfixiado e mudo.
Queria ver mais gente
a arfar,
De não ter onde
morar,
De não saber o que
amar,
Não ter lugar para
onde ir por não ter onde ficar.
Queria ver mais mundo
a ruir
Mais entranhas bem
expostas
Uns quantos cortados
ás postas
Ao que nos
reduziram...
A bêbados e
moralistas
Sedentos de o ser,
mas nunca artistas
Mas
Para onde nos
deixamos encostar,
Bem grudados nas
cordas
Num vai e vem a
balouçar!
Que bem que nos
tratam,
Que tanto nos amam,
Que logo nos
maltratam,
Assim que nos
enganam.
Reduzidos a gado,
ordenado e pastagem
Temos sempre lugar
sentado para prestar vassalagem
Podemos muito bem ter
ideais e orgulho,
Mas no entulho
esquecem o que é viver e
Ver o que é viver com
um salário de miragem
Num sitio com uma
linda paisagem
E gente, tanta gente,
muita gente na treva!
Estamos, muitos de
nós, aquém de saber
Estamos, todos sem
voz, aquém de viver
Estamos, como os
nossos avós, num comboio sem rumo
Onde nós somos prumo
e fio e peso
Mas
Nunca somos parede
que se ergue,
Nunca somos ruína que
não cede,
Nunca somos nós com o
destino nas mãos
Nunca somos nós com o
futuro em vista
Mas somos sempre nós
quem o polícia revista!